Saiba mais sobre a prisão em flagrante
No atual sistema processual penal brasileiro, existem duas formas de se levar à prisão: através do flagrante delito ou por ordem judicial escrita, seja por sentença penal condenatória transitada em julgado, ou em virtude de prisão temporária ou preventiva.
Aqui, trataremos tão somente da prisão em flagrante e suas características, bem como do que é mito e verdade a respeito.
A prisão em flagrante está elencada no artigo 302 do Código de Processo Penal que considera em flagrante delito aquele que:
I – está cometendo a infração penal;
II – acaba de cometê-la;
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Quanto às duas primeiras hipóteses, não há o que explicar, são auto didáticas. Aqui, trata-se do que denomina flagrante próprio ou perfeito, que considera em flagrante aquele que foi surpreendido praticando crime ou que acabou de cometê-lo.
Sobre a terceira hipótese, fala-se em flagrante impróprio ou imperfeito ou, ainda, quase flagrante. Nesta modalidade, o agente é surpreendido logo após ter cometido crime e encontrado em situação que faça entender ser o autor da ação.
Importante frisar que o CPP não traz um tempo específico do que se denomina o termo “logo após”. Para tanto, é razoável imaginar que a perseguição, nesta modalidade de flagrante, tenha que ser iniciada em um breve período de tempo após a prática do ato criminoso, talvez em minutos.
Além disso, a perseguição deve ser contínua, ininterrupta, sem a qual descaracterizaria a situação de flagrância. Pode ser que essa perseguição dure até dias, não existindo um lapso temporal para desvirtuar o flagrante (desde que ininterrupta).
O exemplo mais comum é do agente que desfere disparos de arma de fogo contra alguém estando somente os dois no local, ceifando a vida deste último e, minutos depois, inicia-se perseguição por populares que ouviram os disparos, capturando o agressor, de modo a entender ter sido ele o autor da empreitada criminosa.
Neste caso, o responsável pela prática delitiva não foi flagrado necessariamente atirando contra a vítima, mas por ter sido perseguido logo após a ação criminosa, fez presumir ser ele o autor do fato, gerando a situação de flagrância.
Utilizando do mesmo exemplo, se o indivíduo tivesse empreendido fuga e a prisão ocorrido somente dois dias após o fato, desde que a perseguição não tenha sido interrompida, caracterizaria o flagrante da mesma forma.
Em que pese constar o termo “presumir” no inciso III, é o inciso IV que cumpre o papel do que chama-se flagrante presumido ou ficto. Trata-se de modalidade bem parecida com o flagrante impróprio, imperfeito ou quase flagrante (que já aprendemos), com uma pequena diferença.
Nesta modalidade de flagrante, o agente criminoso acaba de praticar a ação, porém, não por perseguição, mas por ter sido encontrado com objetos que façam presumir a autoria, caracteriza o flagrante.
Aquele que acaba de praticar um estouro a caixa eletrônico e, logo após, é encontrado com notas marcadas e artefatos explosivos, faz entender ser quem tenha praticado o crime, caracterizando a situação de flagrante presumido ou ficto.
Neste exemplo, o agente criminoso não foi surpreendido no exato momento em que explodia o caixa eletrônico e nem quando a poeira ainda não havia se assentado (logo após). Também, não houve perseguição. A ação já havia sido terminada, contudo, foi surpreendido em situação que fez presumir ser ele o autor do crime.
Esta modalidade é a que gera dúvidas quanto ao período pelo qual pode ser considerado tempo de flagrante. Fala-se em 24 horas após a prática delitiva, o que não é verdade. Esse tempo não existe na legislação processual penal, tratando-se de mito.
Contudo, deve haver certa razoabilidade quanto ao período de flagrância. Se, por exemplo, 48 horas depois do ocorrido for encontrado objetos provenientes de furto com alguém, pode ser que essa pessoa tenha, na verdade, interceptado esses objetos (o que seria outro crime), e não praticado o furto, motivo pelo qual não poderia ser presa em flagrante pelo furto propriamente dito.
Além dessas espécies de flagrante consubstanciadas no artigo 302 do CPP, existem os que são realizados sem amparo legal, no que, sendo praticados, o flagranteado deve ser colocado imediatamente em liberdade.
O flagrante preparado trata-se daquele em que é manipulada uma situação que faça instigar alguém a praticar um fato caracterizado como sendo crime, sem saber que está sob vigilância de quem preparou a situação, apenas aguardando o exato momento da prática delituosa para gerar o flagrante.
Alguns autores do Direito Processual Penal chegam a denominar esta situação como uma cilada, uma mera encenação provocada por outro agente (geralmente um policial disfarçado) com intenção de prejudicar o primeiro.
A título de exemplo, imaginemos o patrão que deixa várias notas de 100 reais à vista da empregada doméstica e prepara uma câmera para filmar o momento em que ela furta uma nota, justamente com o propósito de que ela pratique a ação criminosa a fim de forçar uma demissão por justa causa, provocando o ato de subtrair para si coisa alheia móvel (furto). Neste caso, ocorre o que chamamos de “crime impossível”, não havendo que se falar em prisão em flagrante delito.
Há também o que se denomina flagrante forjado, de simples compreensão. Neste, cuida-se da espécie de flagrante em que incrimina-se a pessoa que, sequer, sabia estar praticando crime, configurando o que denomina-se “fato atípico”.
Novamente, exemplificando, imaginemos o indivíduo que, com intuito de prejudicar um terceiro, guarda drogas na mochila deste último sem que o saiba e o denuncia à polícia por estar transportando drogas. Note que o terceiro sequer sabia estar, em tese, praticando crime, não havendo que se falar em flagrante neste caso.
Existe, ainda, o flagrante esperado, que traz divergências quanto a sua validade. Nesta modalidade, entende-se aquela em que terceiros (particulares ou policiais), sabendo previamente da possibilidade de prática delitiva, aguardam no local até sua consumação, momento em que atuam comunicando o flagrante.
Nesta espécie, também entendemos tratar-se de ilegal, a depender do caso, o que pode ser perfeitamente entendido no exemplo a seguir.
Imagine os agentes policiais que, mediante escuta telefônica autorizada judicialmente, interceptam um plano de assalto a banco a ser realizado durante o horário de funcionamento do estabelecimento, quando dezenas de pessoas estariam no local.
Tendo ciência da ação possivelmente a ser praticada por 02 (dois) criminosos, aglomeram-se cerca de 20 (vinte) policiais escondidos, aguardando o momento exato em que se dá início à empreitada criminosa.
Sabendo do plano, não seria razoável aguardar o momento exato em que os atrozes adentrassem o estabelecimento munidos de armas para, somente então, agirem de forma a impedi-los, somente para gerar a situação de flagrância, sendo perfeitamente possível a interceptação de dois criminosos por 20 policiais.
Neste exemplo, se a ação era possível de ter sido evitada e não foi, entendemos tratar-se de crime impossível, assim como no flagrante preparado, citado anteriormente, por ter a chance real de não ter ocorrido.
Existe ainda o flagrante diferido ou retardado, geralmente aplicado no combate às organizações criminosas.
Nesta espécie, a autoridade policial deixa de praticar o flagrante como meio investigatório, prorrogando a ação com a finalidade de identificar um maior número de integrantes da organização criminosa ou até mesmo gerar um maior número de provas.
Por fim, importante tratar a respeito do flagrante praticado em relação aos crimes permanentes, que são aqueles que se perpetuam no tempo.
Fala-se, por exemplo, do tráfico de drogas, da posse e porte ilegal de armas de fogo e do sequestro. Nestes crimes, não há um único momento de consumação, mas se prolonga pelo tempo, enquanto dura seus efeitos.
Sobre esses crimes, o flagrante pode ocorrer a qualquer tempo enquanto são praticados, não havendo um momento específico para caracterizar a situação de flagrância.
Contudo, há de se ressaltar que, sabendo tratar-se de uma das possibilidades legais de violação de domicílio o flagrante, sobre os crimes permanentes, para que isso ocorra é preciso que antes tenha havido ciência da prática de crime no interior da residência por parte de quem pretenda violar o domicílio.
Em outros dizeres, a violação de domicílio por policiais para prender em flagrante quem esteja guardando drogas para comércio, por exemplo, não pode se dar simplesmente por suspeitas, mas por informação concreta de que o crime esteja ocorrendo. Do contrário, a prisão em flagrante seria relaxada e as provas consideradas nulas.
Basicamente, é o necessário para saber sobre prisão em flagrante e seus efeitos para que, ao que sujeita-se a passar por ela, saiba se tudo está sendo feito de acordo com a lei e, ao estudante de direito, conheça o necessário sobre o assunto.
Por: Wagner Frutuoso. Especialista em Processo Penal e advogado criminalista.