Auxílio reclusão: o que não te contaram
Há uma linha clara que vem surgindo separando pensamentos garantistas e punitivistas, colocando de um lado pessoas que buscam a todo custo manter a aplicabilidade de garantias constitucionais a todo e qualquer cidadão, e do outro aqueles que entendem ser a pior pena possível o resultado para resolver os problemas da criminalidade.
Não por acaso, ouço diariamente alguém dizer que o governo sustenta todos os detentos, que recebem bem mais que o salário mínimo, que o partido “A” ou partido “B” é quem criou o auxílio reclusão e que bandido e vagabundo não deveriam receber para ficar preso.
Sendo assim, é preciso desmistificar o que se “ouve falar” neste respeito, já que passa longe da realidade, servindo tais maledicências somente para agravar o anseio em ver detentos sofrerem cada vez mais, não colaborando em quase nada.
O que é auxílio reclusão?
Auxílio reclusão é um benefício concedido pela Previdência Social, não ao preso, mas aos dependentes daquele que se encontra encarcerado em regime fechado, de baixa renda, desde que cumpridos certos requisitos elencados pelo INSS, que tem por fim assegurar meios indispensáveis de manutenção.
Não se trata de uma “bolsa presidiário” paga a todo e qualquer detento, muito menos simplesmente pelo fato de estar encarcerado. Aliás, os números dos que conseguem o recebimento do benefício são bem baixos, conforme veremos adiante.
Se por um lado o Estado aplica àquele condenado ou processado por supostamente ter praticado algum tipo de crime o seu direito de punir, por outro, deve garantir aos dependentes deste o sustento básico, desde que, antes disso, esteja o preso adequado às regras para pleitear tal direito.
Um fato bem curioso, é que a própria Constituição Federal assegura no rol das garantias fundamentais o que se chama de “princípio da responsabilidade pessoal no direito penal”, estampado no artigo 5º, inciso XLV, alertando que nenhuma pena passará da pessoa do condenado.
Isso quer dizer que ao preso condenado, cabe a ele somente cumprir pena e pagar pelo que o fez estar ali. Querer aplicar pena de mizerabilidade aos dependentes deste deixando de prestar-lhes auxílio é, no mínimo, inconstitucional. Porque não dizer uma maldade sem tamanho?
Para que e por quem foi criado o auxílio reclusão?
O benefício do auxílio reclusão, como já dito, trata-se de um direito inerente ao detento em razão de sua condição de contribuinte do INSS, mas que se presta a amparar os dependentes deste, de forma a garanti-los o sustento enquanto a lei lhe assegura tal benefício.
Além disso, não é pago em todos os casos durante todo tempo em que o preso estiver encarcerado. Para tanto, a idade do segurado e o tipo de dependente influirá no tempo que receberá o auxílio, podendo variar ainda em caso de soltura ou fuga do preso.
O auxílio reclusão foi estipulado pelo governo Jucelino Kubitschek através da Lei Orgânica da Previdência Social nº 3.807, promulgada no ano de 1960, há mais de meio século.
Atualmente, é garantido pela Constituição Federal em seu artigo 201, inciso IV, e regido pela Lei 8.213, de 1991, tendo sofrido suas últimas alterações neste ano de 2019 através da Medida Provisória 871, assinada pelo Presidente Jair Bolsonaro.
Quais os requisitos para ter direito ao auxílio reclusão?
Para ter direito ao auxílio reclusão, não é tão simples como muitos pensam. Aliás, os dados apresentam que a faixa de detentos que se encaixam na possibilidade de requerer o benefício é bem baixa.
Antes de mais nada, é necessário que o preso tenha cumprido uma carência mínima de 24 contribuições consecutivas e não esteja recebendo remuneração da empresa nem em gozo de auxílio-doença, pensão por morte, salário-maternidade, aposentadoria ou abono de permanência em serviço.
Além do mais, a média dos últimos 12 meses de salário não pode ultrapassar o valor de R$ 1.364,43, valor este atualizado anualmente pelo governo. Contudo, isso não quer dizer que será o valor recebido, sendo que o cálculo da prestação paga é feito de outra forma, semelhante ao da pensão por morte.
O preso tem que estar em regime fechado, sendo que, aqui, há uma vantagem ao cumpridor do regime semiaberto que já vinha cumprindo tal regime antes da Medida Provisória assinada em 18/01/2019. A estes, ainda será possível a renovação do benefício, até que cesse a qualidade de recebedor.
Por quanto tempo o preso tem direito ao auxílio reclusão? É até sair da prisão?
O tempo pelo qual o dependente do preso irá receber o benefício varia de acordo com a idade e a categoria. Sendo assim, já respondo se o recebimento se dá até que o preso saia do cárcere. A resposta é não; este, na maioria dos casos, não é o marco temporal para recebimento do auxílio, tratando-se tão somente de outro mito a ser combatido.
Para o cônjuge ou companheiro, terá direito a 4 mensalidades a partir da data da prisão, se o segurado não havia contribuído 18 meses durante toda sua vida ou se a união tiver sido iniciada há menos de 2 anos antes da prisão.
Caso o contribuinte tiver cumprido com no mínimo 18 contribuições ou a união com o cônjuge tiver se dado há mais de dois anos, a regra é outra. Neste caso, leva-se em consideração a idade do dependente na data da prisão para determinar a quantidade de parcelas de auxílio a serem recebidas.
Se o dependente tem menos de 21 anos, receberá o auxílio por 3 anos; se entre 21 e 26 anos, o auxílio será por até 6 anos; entre 27 e 29 anos, a quantidade de parcelas será de até 10 anos; ao que possui entre 30 e 40 anos, até 15 anos; se entre 41 e 43, poderá receber por até 20 anos; sendo maior de 44 anos, até a data da soltura do preso.
Em qualquer caso, a soltura ou fuga do preso interrompe imediatamente o pagamento do benefício.
Na modalidade de dependente “filho” ou equiparado ou irmão, o recebimento do auxílio se dará até que complete 21 anos, salvo nos casos de invalidez, situação que assegurará o benefício enquanto permanência do contribuinte na prisão ou até que cesse a condição de inválido do dependente.
Como é feito o cálculo do valor pago?
Como já dito antes, o cálculo do valor pago em forma de benefício se dá através dos mesmos requisitos elencados a quem tenha direito a receber o auxílio por pensão por morte.
Para ambos os casos, observa-se o mesmo cálculo para apurar o valor devido à aposentadoria por invalidez, correspondente a 100% do valor que o segurado recebia antes de estar impedido de trabalhar. Além disso, a lei garante um valor mínimo a receber, qual seja, o do salário mínimo vigente.
Dizer que cada segurado recebe um salário mínimo também é outro mito. Um único valor devido referente ao benefício é pago e dividido igualmente a todos os dependentes.
Preso provisório também tem direito ao auxílio?
Por, assim como o preso definitivo, o provisório estar impedido de exercer qualquer atividade profissional e, portanto, sem condições de garantir o sustento de seus dependentes, os segurados do INSS, desde que preenchidos os requisitos elencados anteriormente, também possuem direito ao auxílio reclusão.
A quem recorrer para saber se o preso se encaixa nos requisitos?
Os benefícios do auxílio reclusão podem ser requeridos inicialmente pelas pessoas aptas diretamente nas plataformas digitais do INSS. Contudo, aconselha-se a contratação de um profissional do Direito para pleitear junto a este tal benefício.
Para tanto, não se trata de atribuição dos profissionais atuantes no campo do direito criminal, mas sim do direito previdenciário, área responsável por atuar perante o INSS. Como geralmente os presos já tem contato com advogados criminalistas, dos quais são clientes, o que se vê na prática é indicação por esses profissionais de outros na área previdenciária.
Podem requerer o benefício o (a) cônjuge ou companheiro (a), com comprovação do casamento ou união estável na data da prisão; filhos e equiparados; pais que dependam economicamente do filho; irmãos que dependam economicamente do filho, com idade de até 21 anos, ou se for inválido, sem limite de idade.
Alguns dados recentes sobre o auxílio reclusão no Brasil:
Segundo dados do INSS, levantados pelo jornal “Estadão”, cerca de 47,6 mil presos receberam mensalmente o auxílio reclusão em 2017.
O último Levantamento nacional de Informações penitenciárias, divulgado em dezembro de 2017, apontou que a população carcerária do país em 2016 era de 726 mil presos. Portanto, se fossem considerados esses números para fazer um cálculo, apenas 6,5% dos encarcerados receberiam o auxílio reclusão.
No entanto, vale ressaltar que a matemática não é tão simples, dada a alta mobilidade no sistema prisional durante um mesmo ano.
De acordo com dados do portal Siga Brasil, levantados pela ONG Contas Abertas, também divulgado pelo mesmo jornal, foram gastos R$ 821 milhões (valor bruto) com o auxílio reclusão em 2017. Segundo o INSS, o valor líquido é de R$ 615 milhões.
Esse valor bruto é pequeno frente ao total de gastos executados pelo INSS neste ano (R$ 14,6 bilhões). Ou seja, o órgão dedica 5,6% do orçamento ao benefício. Cada beneficiário recebeu, em média, R$ 1.465,02.
Inserido no orçamento da União executado em 2017 (R$ 2,6 trilhões), o valor gasto com auxílio reclusão corresponde a 0,03%. (FONTE: Estadão)
No mês de dezembro do mesmo ano (2017), segundo a Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda, apontado pelo site “Dom Total”, foram pagos 47.522 benefícios de auxílio-reclusão com valor médio de R$ 998,58.
De acordo com a pasta, isso representa cerca de 0,1% do total de benefícios pagos pela Previdência. Do total de auxílios, 95,6% foi instituído por homens e 4,4% por mulheres. Quanto aos dependentes, 81,2% deles são filhos, 17,9% são cônjuges ou companheiros e 0,1% são pai ou mãe do presidiário. (FONTE: Dom Total)
Concluindo
Percebe-se que o que não faltam são boatos quanto ao auxílio reclusão, sendo chamado, inclusive por diversos políticos, de “bolsa presidiário”. Talvez por ser algo que chame a atenção do eleitor. Quem sabe, por simplesmente não conhecerem a legislação pertinente.
Entretanto, discordamos de que trata-se de um benefício desnecessário e, muito menos, que é pago ao preso. Aliás, o encarcerado sequer recebe o valor, sendo repassado diretamente aos dependentes.
Também, diferentemente do que se ouve dizer, o preso não recebe para ficar preso, mas sim pela condição de segurado do INSS, prestando tal auxílio a garantir o sustento não deste, mas de seus dependentes, que não são obrigados a pagarem pelo “erro” cometido por seu sustentador.
Por fim, percebe-se que são raríssimos os casos em que um detento consegue o benefício e que os gastos praticados pelo Governo neste sentido comprometem em quase nada o orçamento da União, sendo praticamente insignificantes.
Aliás, defendemos que é preciso debater o auxílio aos dependentes dos presos, independentemente da condição de segurados do INSS. Como bem frisamos, a pena não passará da pessoa do condenado!
Por: Wagner Frutuoso. Especialista em Processo Penal e advogado criminalista.