O caso Richthofen e o direito à saída temporária
No último dia 08 de maio, por mais uma vez os noticiários, com a intenção clara em desacreditar a justiça brasileira e o sistema de ressocialização, aproveitando o momento de revolta popular com as leis penais, divulgaram a saída temporária em razão do feriado do dia das mães da reeducanda Suzane Von Richthofen, como se fosse algo absurdo.
Richthofen está cumprindo pena de 39 anos na penitenciária feminina de Tremembé, no interior de São Paulo, por ter participado do homicídio de seus pais, em 2002 – caso que chocou o país naquela época.
O direito à saída temporária está previsto na LEP (Lei de Execuções Penais) dos artigos 122 a 125, tratando-se de uma das espécies de autorização de saída do reeducando, com intuito de cumprir os objetivos elencados na própria lei citada que, em seu primeiro artigo, determina como uma das funções da execução penal (fase em que o apenado encontra-se preso em decorrência de sentença penal) proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Além disso, o artigo 4º, também da Lei de Execuções Penais, atribuiu à comunidade a cooperação nas atividades de execução da pena. Isso pois, vários são os estudos que atestam uma maior efetividade na prevenção da criminalidade a longo prazo o tratamento educacional e psicossocial daqueles que tenham praticado crimes, reinserindo-os de forma gradativa à sociedade pacífica, através do preparo para conviverem dessa forma.
Aliás, esse é o método utilizado nos países que apresentam as menores taxas de criminalidade, bem como dos que conseguiram diminuir esses índices de maneira surpreendente. Fala-se em países como Islândia, Espanha, Áustria, Dinamarca e Noruega, detentores dos melhores sistemas penitenciários do mundo.
O direito á saída temporária é inerente aos condenados que cumprem pena em regime semi-aberto, sem vigilância direta, com intuito de visitar a família, frequentar curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, e participar de atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Conforme se vê na própria definição, em nada tem a ver a saída temporária com datas comemorativas específicas, como, por exemplo, o dia das mães, servindo estas apenas como parâmetros para definir previamente as datas em que o o direito será conferido ao reeducando.
Trata-se de atribuição do juiz responsável pelo processo de execução do apenado a autorização da saída, após ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária, desde que cumpridos certos requisitos, alguns de ordem subjetiva, outros de ordem objetiva, sendo insuscetível a delegação da verificação desses requisitos ao diretor do estabelecimento prisional (súmula 520 do STJ).
O primeiro deles, como já dito, é que o reeducando esteja no sistema semi-aberto. Aqui, abre-se ressalva para o fato de que há entendimentos jurisprudenciais que vem autorizando esse direito a presos no regime fechado, justamente com o fundamento da necessidade de retorno gradual do reeducando à sociedade.
Além disso, é necessário ser detentor de comportamento carcerário adequado, ter cumprido, no mínimo, 1/6 da pena se primário e 1/4 se reincidente, e que o benefício seja compatível com os objetivos da pena.
Novamente, é perfeitamente possível encontrar entendimentos no sentido de que não é necessariamente exigível o cumprimento desse lapso temporal para, somente então, obter o direito á saída temporária. Isso pois, ao cumprir 1/6 da pena, o condenado em regime semi-aberto, de acordo com a legislação penal, já preencheria os requisitos para transferência ao regime aberto, que, por sua vez, dispensaria a necessidade de autorização da saída, tornando tal requisito inconveniente.
Diante do preenchimento dos requisitos e a concessão do direito, o prazo estipulado para a saída temporária pode ser de até 7 dias, sendo que a LEP autoriza mais 4 saídas durante o ano, resultando em até 35 dias de saída temporária por ano, por um intervalo não inferior a 45 dias entre uma e outra.
Contudo, em que pese esses prazos estarem inseridos na legislação para os casos de visita à família e participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, tal exigência não pode ser interpretada de maneira isolada, sendo que o próprio STJ, conforme se depreende no informativo 590, já autorizou a saída por mais vezes com intervalos mais curtos, desde que não ultrapasse o total de 35 dias de saída por ano.
Isso pois, conforme entendimento do próprio Tribunal, uma interpretação ao contrário disso iria de encontro ao objetivo de solidificação dos laços familiares, essencial para a recuperação do reeducando, além de ser o objetivo da execução penal os elencados no artigo primeiro da Lei, que já citamos antes.
Importante ressaltar que ao reeducando, portador do direito à saída temporária, são impostas certas condições. Para tanto, deverá fornecer endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; recolher à residência visitada no período noturno; e não frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres, entre outras que o juiz entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado.
A LEP ainda prevê como forma de controle dessas atividades a revogação automática do direito em alguns casos. São eles: quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.
Neste caso, o próprio artigo que determina o cancelamento, traz que a recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.
Conforme se vê, o direito à saída temporária não é coisa de outro mundo. Trata-se de forma bem eficaz em reinserir o apenado à sociedade de maneira gradual, tornando-o capaz de conviver em harmonia com o mundo externo mesmo ainda sob custódia do Estado, colocando-se pronto a restabelecer sua posição de pessoa livre.
Também podemos concluir que não se trata de medida descontrolada, que se presta a atingir todo e qualquer preso. Para tanto, é necessário preencher uma série de requisitos, que vão desde o cumprimento de lapso temporal, até o bom comportamento carcerário.
Por fim, importante lembrar que a Constituição Federal veda a pena em caráter perpétuo. Isso quer dizer que, assim como no caso Richthofen, todo e qualquer apenado um dia sairá livre. Melhor para todos que saiam preparados para conviver de maneira pacífica em sociedade e não voltem a cometer crimes.
Por: Wagner Frutuoso. Especialista em Processo Penal e advogado criminalista.
Foto: MARCELO GONCALVES/SIGMAPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO