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Nepotismo é crime?

No que tange às nomeações a cargos e empregos públicos, em regra, são feitas mediante aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, tratando-se de interesse comum dos próprios administrados em obter as pessoas mais qualificadas para exercer as funções necessárias. Para tanto, essa capacidade intelectual e profissional geralmente é demonstrada através de uma prova concorrida com outras pessoas dispostas a, da mesma forma, demonstrarem suas aptidões para o cargo disputado.

Contudo, não são todos os cargos e empregos públicos que podem ser ocupados desta forma, exigindo, para tanto, que sejam lotados por pessoas consideradas de confiança do superior hierárquico. Da mesma maneira que nos concursos públicos, isso ocorre para que se atinja da melhor forma possível o interesse comum dos próprios administrados, posto que, a depender do tipo de função, é necessário que haja certo equilíbrio no que diz respeito às atividades exercidas na administração entre superiores e subordinados.

Entretanto, em que pese tratar de excessão quanto ao modo como essas pessoas são escolhidas para ocuparem esses cargos, a escolha deve ser baseada em certos princípios inerentes à própria administração pública, quais sejam, o da eficiência, da moralidade, da impessoalidade, da igualdade, dentre outros. Se, contudo, a escolha do profissional para o cargo não estiver fundamentada nestes princípios e, mais do que isso, se der tão somente em razão de certo grau de parentesco entre escolhedor e escolhido, ocorre o que denomina-se “nepotismo”.

Mais do que talvez imaginemos, o nepotismo, que tanto temos ouvido falar nos últimos dias, é prática corriqueira nas três esferas governamentais (União, Estados e Distrito Federal e Municípios) praticado por agentes públicos, contudo, quase sempre sem que haja algum tipo de punição. A partir daí, surge uma dúvida em ser o nepotismo prática criminosa proibida por lei, ou não.

Antes, importante tratar do que vem a ser nepotismo, que deriva do latim nepos, nepotis (neto e sobrinho, respectivamente), termo utilizado para designar o apadrinhamento de parentes e ou amigos próximos diante de pessoas consideradas profissionalmente mais qualificadas, geralmente relacionado a nomeação ou elevação a cargos públicos ou políticos. Doutra forma, ocorre quando um funcionário é nomeado ou promovido por ter relações de parentesco ou vínculos com aquele que o faz, mesmo que hajam pessoas mais qualificadas e mais merecedoras para o cargo.

Quanto ao tema, desde já, importante esclarecer que o atual Código Penal e Leis Penais Extravagantes não fazem previsão do nepotismo como sendo prática criminosa, no que, em obediência ao Princípio da Legalidade, não há que se falar, diretamente, em punição com pena restritiva de liberdade quando algum ente público, em razão do cargo que ocupa, vier a favorecer pessoas com grau de parentesco em detrimento de outras mais qualificadas.

Embora não seja considerado crime, importante salientar que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 13 que trata o nepotismo da seguinte forma:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Sobre o poder de uma Súmula Vinculante, esclarece-se que são editadas pelo próprio STF, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, a qual tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Ou seja, quando editadas, devem ser cumpridas pelas camadas inferiores da justiça e administração pública, sob pena de Reclamação Constitucional ao próprio STF.

No que diz respeito à determinação da súmula citada, a qual considera o nepotismo como violação à Constituição, isso quer dizer que, conquanto não seja considerado crime, justamente por violar a Carta Magna e os princípios inerentes à própria administração pública, ainda que indiretamente, pode ser que leve à punição do servidor que o pratica, mesmo que de natureza cível ou administrativa.

Entretanto, em que pese tratar de violação à Constituição, o próprio texto da Súmula Vinculante 13 causa certa confusão, o que tem levado a diversas interpretações dos limites de atuação da súmula, se diz respeito a cargos políticos, administrativos e em comissão, ou se apenas a estes dois últimos, excluindo-se, portanto, os de natureza eminentemente política, o que suscitaria a possibilidade da indicação de um parente por parte do Presidente da República ao cargo de embaixador, por exemplo.

Sobre isso, há de salientar que, não bastasse a súmula citada, há outra norma legal que rege o tema, qual seja, o Decreto 7.203/10, que dispõe da vedação do nepotismo no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, abarcando um conceito amplo de agente público, incluindo, porque não, cargos administrativos e políticos.

Desta forma, o entendimento é, no que concerne à nomeação de familiares para cargos estritamente políticos, tratando-se de discussão que gira em torno tão somente da violação de norma constitucional, se devem ser enquadradas como tal, por entender que estão dentro do conceito de agentes públicos, todas as situações que se enquadram neste contexto tratam-se de nepotismo.

Esse também é o entendimento do Min. Luiz Fux, relator de um Recurso Extraordinário que trata justamente do tema, tendo ressaltado que:

“A discussão orbita em torno do enquadramento dos agentes políticos como ocupantes de cargos públicos, em especial cargo em comissão ou de confiança, mas, ao não diferenciar cargos políticos de cargos estritamente administrativos, a literalidade da súmula vinculante sugere que resta proibido o nepotismo em todas as situações.”

Sobre administração pública, fator central da discussão a respeito do nepotismo estar relacionado também a atividades eminentemente políticas, importante esclarecer seu significado. Para tanto, temos que, para Di Pietro:

“Basicamente, são dois os sentidos em que se utiliza mais comumente a expressão Administração Pública:

a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa;

b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo.”

Partindo disto, em suma, tanto do conceito “a”, mais ainda do “b”, percebe-se que o Min. Fux tem inteira razão quando lembra que a súmula não diferencia cargos políticos de estritamente administrativos. Ainda, tendo em vista os princípios regentes da Administração Pública dos quais aqui foram tratados, seja ela qual for, não resta outra conclusão a não ser admitir que, tratando-se de cargo eminentemente político, administrativo ou em comissão, desde que a nomeação se dê em razão do grau de parentesco como sobressalente às qualificações técnicas, configura prática de nepotismo.

Isso posto, quando praticado com a pura intenção de assim o fazer, aquele que o tenha praticado fica sujeito a uma série de imputações, dentre elas, as inerentes por ter incorrido em face de abuso do poder concedido de decidir em nome dos administrados em razão do desvio de finalidade do interesse público, ou mesmo que por violação à Lei de Improbidade Administrativa.

Nesta esteira, conclui-se que todas as nomeações a cargos de confiança praticadas por autoridades da administração pública em razão do grau de parentesco com ela mesma ou com servidores do setor, desmerecendo pessoas mais qualificadas a ocuparem o cargo, sejam de natureza administrativa ou política, por entender que todos os casos tratam-se de nepotismo, mesmo não configurando crime previsto em lei, coloca o praticante sujeito a sanções de outras espécies. Para tanto, tais sanções vão desde uma simples anulação da nomeação até um processo de perda dos direitos políticos e da função pública que exercem.

Por Wagner Frutuoso. Especialista em Processo Penal e advogado criminalista.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Aplicação das Súmulas no STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menusumario.asp?sumula=1227> acesso em: 21 jul 2019

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015.