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Aspectos penais do atirador de elite (sequestro ponte Rio-Niterói)

Na última semana, um homem decidiu manter várias pessoas reféns em um ônibus na ponte Rio-Niterói em uma ação que durou por volta de três horas e meia. A empreitada foi encerrada após o sequestrador ter sido alvejado por tiros de sniper, vindo a óbito a caminho do hospital, mesmo após tentativas de resgate médico.

Surgiu daí a dúvida se seria o sniper responsabilizado criminalmente pela morte do infrator, levando em consideração ter sido a força letal o último recurso cabível para salvar a vida das vítimas envolvidas na ação, já que restou claro quanto à materialidade do homicídio contra o mesmo.

Quanto a isto, inicialmente, importante destacar que, diferentemente de outras possibilidades legais que autorizam a morte direta, como na Lei 9.614/98 que permite o abate de aeronaves consideradas hostis, o tiro de sniper não contém legislação específica. Contudo, importante se faz analisar a conduta do policial se não estaria amparada pela lei penal geral.

Decidimos tratar tão somente da responsabilidade penal do sniper, que é o responsável direto por acionar a tecla do gatilho e, consequentemente, matar aquele que colocou pessoas reféns em situação de crise de alta complexidade; o famoso “tiro de neutralização”. 

Isso pois, trata-se de operação conjunta em que o atirador profissional, em regra, atua mediante ordem do comandante da crise após o “sinal verde”, sendo que, a princípio, ambos teriam responsabilidade pela execução. O sniper como executor e o comandante  da crise como mandante.

Quanto ao sniper, algumas considerações há de serem feitas, sempre levando em consideração que a ação por ele praticada em proferir tiro letal tenha sido o último recurso cabível para salvar a vida das vítimas em risco, bem como dos próprios policiais envolvidos na ação.

Sobre a necessidade do abate nessas situações, é certo que nenhuma vida é mais importante que a outra. Contudo, ainda que estivesse na mira do sequestrador apenas uma vítima e, o sequestrador, na mira do sniper, o que colocaria uma vida contra outra, leis e tratados internacionais cuidam em decidir qual delas deve ser preservada.

Para garantia da ordem pública, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário, traz em seu artigo 6º que “ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”, sendo que justamente a arbitrariedade proferida pelo infrator faz sopesar o direito à vida da vítima.

Voltando à responsabilidade penal do sniper quando no emprego da força máxima nessas ações, temos que há de ser analisado cada caso, sendo que na maioria deles o atirador profissional estaria amparado pelas excludentes de ilicitude referente ao estrito cumprimento de dever legal, a legítima defesa de terceiro, ou, ainda, pela excludente de culpabilidade referente à inexigibilidade de conduta diversa.

Se, por exemplo, a ação do sniper tenha sido praticada conquanto mediante ordem legal do comandante da crise, ou seja, seu superior hierárquico, este estaria acobertado pelo estrito cumprimento do dever legal, já que deve subordinação ao mesmo, sob pena de detenção em caso de recusa a obedecer a ordem, consoante artigo 163 do Código Penal Militar.

Sobre isso, ainda estaria o sniper protegido pela inexigibilidade de conduta diversa concernente à própria obediência hierárquica. Ora, sendo a prisão a consequência do ato de desobedecer a ordem superior, não poderia ser exigível do sniper outra conduta a não ser cumprir a ordem, legal ou ilegal. O próprio Código Penal Militar prestou a garantir esta possibilidade em seu artigo 38, que diz não ser culpado quem comete crime em estrita obediência a ordem direta de seu superior hierárquico, em matéria de serviços.

Tratando-se de ordem superior manifestamente ilegal, o que, por óbvio, é diferente de simplesmente ilegal, recai sobre este e aquele a responsabilidade do resultado da ação.

Em uma análise de algumas possíveis hipóteses, há casos em que o sniper, que em regra é quem detém a melhor visibilidade da situação de risco oferecida aos sequestrados, não consegue obter o “sinal verde” a tempo de agir para repelir a agressão injusta, atual e prestes a ocorrer, ou mesmo quando há tempo mas, por motivos diversos à sua própria vontade, perde a comunicabilidade com o comandante da crise.

Nesta situação, por não ter sido o tiro praticado mediante ordem de seu superior hierárquico, notadamente não estaria protegido pela excludente de ilicitude referente ao “estrito cumprimento do dever legal”, mas, neste caso, por outra excludente de ilicitude, qual seja, a “legítima defesa de terceiro”.

Quando necessário proferir o tiro de neutralização, não sendo possível adquirir a ordem de seu superior, seja pela necessidade de agir rápido ou pela incomunicabilidade, não o fazendo o sniper e vindo as vítimas a óbito, poderia este inclusive responder pelo crime de homicídio na sua forma omissiva.

Em todo caso, trata-se de situação bastante complexa para o sniper em que, tanto o agir em excesso quanto o deixar de agir pode ser que o leve a sofrer consequências penais e administrativas.

Por fim e não por acaso, destacamos a importância de analisar caso a caso para apurar a responsabilidade do sniper nas situações em que exigem sua participação, se estaria amparado pelas excludentes de ilicitude ou culpabilidade das quais tratamos. Na maioria deles, o desfecho da investigação quanto à responsabilidade do atirador profissional em tirar a vida desses infratores é de não ter praticado crime, não havendo que se falar em prisão.

Por Wagner Frutuoso. Especialista em Processo Penal e advogado criminalista.

Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo