O Habeas Corpus como arma de defesa
No dia a dia da advocacia criminal, é possível afirmar que trata-se de prática comum depararmos com prisões ratificadas por autoridades judiciárias de forma completamente arbitrária, bem como a manutenção de presos sem que existam fundamentos jurídicos ou quando deixam de existir.
Sobre prisões arbitrárias, importante destacar que, em que pese muitos casos transparecerem estar travestidas de legalidade, há de verificar se os motivos ensejadores da prisão, que não são simplesmente a conduta delitiva em si, estão preenchidos. Fala-se em garantias processuais e constitucionais inerentes a toda e qualquer pessoa.
Como forma de sanar esses erros que podem vir a provocar danos irreparáveis, utiliza-se como arma de defesa a impetração do Remédio Constitucional, que não é recurso, mas sim ação autônoma de impugnação, denominado Habeas Corpus, expressão latina que significa “tome seu corpo”, previsto no art. 5º, LVI da Constituição Federal e art. 647 e seguintes do Código de Processo Penal.
A liberdade de ir e vir é garantia constitucional e processual penal que assegura o direito de andar livremente por qualquer lugar almejado¹. Tal garantia, é certo que compõe excessões, como as que o próprio artigo 647 do Código de Processo Penal suscita, dizendo ser o habeas corpus inerente a qualquer pessoa que se vê sofrida ou achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal dessa liberdade, contudo, salvo nos casos de punição disciplinar.
Evidentemente, trata-se de competência para conhecimento e processamento a autoridade que está acima daquela que praticou a coação, após verificado o lugar onde a mesma se deu. Se a prisão arbitrária se dá por delegado de polícia, cabe ao juiz da comarca apreciá-lo, por exemplo. Com exceção aos casos em que prevalece o foro por prerrogativa de função.
A doutrina diverge quanto à criação do instituto do habeas corpus, também chamado de writ, ou, mandamus. Entretanto, é certo que desde a antiguidade utiliza-se o mesmo como medida de sanar essas arbitrariedades, ainda que, antes, com outro nome, contudo, com a mesma finalidade: restabelecer a liberdade de quem se tenha visto preso ilegalmente (liberatório) ou impedir que o aconteça (preventivo).
Tendo em vista que mais do que qualquer outro procedimento as prisões devem seguir um rito, regulamentado previamente em lei, para que haja segurança jurídica, o habeas corpus é utilizado nas mais diversas oportunidades, como nas prisões em flagrante, temporárias, preventivas, para o trancamento de ação penal (alguns entendem ser possível inclusive para o trancamento de inquérito policial), ou simplesmente para garantir que o réu não saia preso logo após a decisão de um júri, já que desta decisão geralmente caberia recurso.
Pode-se dizer que trata-se da ação com maior celeridade em seu processamento e julgamento, o que não é por acaso. Ora, tratando a liberdade um dos bens mais preciosos inerente ao ser humano, sendo que sua restrição de modo ilegal certamente é ato de difícil ou impossível reparação, evidentemente que deve-se voltar com maior atenção aos casos de sua restrição ilegal.
Tamanha importância se dá à celeridade que, em se tratando de julgamento em primeiro grau de jurisdição, quando a ilegalidade parte de autoridade juridicamente abaixo dos juízes de primeira instância, o Ministério Público sequer manifesta-se nos autos, sendo-lhe garantida sua intervenção tão somente da decisão proferida pelo julgador, com a possibilidade de recurso.
Sobressai a urgência inclusive sobre a publicação prévia da inclusão em pauta sem que se dê ciência ao próprio impetrante, dando maior importância ao processamento do que à publicidade do ato em si. Aliás, esse entendimento é inclusive sumulado pelo STF, que diz ser nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em “habeas corpus” (súmula 431).
Outra prova que se dá a sua grande valia é o fato de que, em regra, não é necessário que advogado o faça (apesar de absolutamente recomendável), nem tampouco a própria pessoa coagida, podendo qualquer um que depare com arbitrariedades ou risco iminente de que ocorra socorrer ao habeas corpus como medida urgente, sendo esta chamada de impetrante, aquele, paciente, e a autoridade coatora, o impetrado.
O relatório de gestão do presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, apontou que, somente entre os meses de setembro e dezembro do ano passado (2018), quase 6 mil relatos de cidadãos presos foram recebidos por carta pela Corte, a maioria manuscrita em sacos de pão, guardanapos e até mesmo em papéis higiênicos, tratando dos mais diversos temas, como, revisão de processos, progressão de regime, dentre outros.
Conforme se vê, trata-se de uma das medidas mais importantes previstas na legislação processual penal brasileira que, em que pese ainda necessitar de aprimoramentos, tanto na própria legislação que a prevê, quanto na prática de seu conhecimento e processamento, coaduna com a principal arma de defesa conferida àquele que se vê ou vê o próximo sofrido ou com risco de sofrer restrição à sua liberdade de locomoção.
Sobre a liberdade, importante citar o que disse D. Quixote a Sancho, quando em uma ocasião se viu livre: “A liberdade, Sancho, é um dos dons mais preciosos, que aos homens deram os céus: não se lhe podem igualar os tesouros que há na terra, nem os que o mar encobre; pela liberdade, da mesma forma que pela honra, se deve arriscar a vida (…).”²
Por Wagner Frutuoso. Especialista em Processo Penal e advogado criminalista.
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Corpus. 2ª edição. São Paulo: Gen, 2017.
[2] CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote de La Mancha. Tradução de Antonio Feliciano de Castilho. São Paulo: Centaur, 2012.