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O massacre de Suzano e as influências do século

O último dia 13 de março, sem dúvidas, foi um daqueles para ficar marcado na história dos crimes bárbaros praticados no Brasil. Dois jovens, sendo um deles menor, decidiram entrar em uma escola estadual na cidade de Suzano-SP e, sem motivos pessoais com as vítimas, mataram alunos e servidores. Ao final, como ato de covardia, suicidaram.

Não se trata de caso isolado. Dede o ano 2002, já somam, pelo menos, 9 ataques do gênero praticados em escolas no país, tendo deixado, ao menos, 38 vítimas fatais. São eles: Suzano-SP (2019), Medianeira-PR (2018), Janaúba-MG (2017), Goiânia-GO (2017), João Pessoa-PB (2012), São Caetano do Sul-SP (2011), Realengo-RJ (2011), Taiúva-SP (2003) e Salvador-BA (2002).

Não faltam perguntas para essas ações de crueldade. O que não faltam também, são especulações de influências motivadoras que tem levado pessoas a tirarem a vida de alunos e servidores em escolas, dividindo opiniões e suscitando debates a respeito de temas variados.

Em uma breve análise dos casos ocorridos nos últimos 17 anos, percebe-se que  foram diversos motivos que levaram pessoas a cometerem esses crimes em escolas. Entretanto, pode ser que a lista seja ainda maior, já que em alguns casos não se sabe ao certo o que motivou os ataques. 

Uma coisa é certa, a soma de 9 acometimentos dentro de escolas em um período tão curto, além de demonstrar a necessidade de estudos aprofundados a respeito, nos traz a lição de que trata-se de um problema novo e precisa ser questionado, já que, pelo menos no Brasil, isso não era comum.

O caso de Suzano, veio acompanhado de um tema pouco conhecido e, portanto, menos ainda debatido: a “Deep Web”, ou, rede profunda. Servida não como motivo, mas como ferramenta (ou meio), acredita-se que os responsáveis pelo ataque participavam frequentemente de fóruns nas redes obscuras da internet que influenciam essas atrocidades. 

Deep Web é o nome dado a camadas da internet que, a não ser que se utilize ferramentas próprias, é impossível de serem encontradas por mecanismos de buscas comuns, como o Google.

Discute-se na Deep Web os mais diversos temas, que vão desde fóruns produtivos, aos dedicados a práticas criminosas, como, tráfico de pessoas, de drogas, pornografia infantil e outros. Existe relatos que haja até mesmo receitas de como preparar bife com carne humana.

O bullyng, prática corriqueira entre crianças e adolescentes, soma a maior motivação. Em todos os casos analisados, pelo menos 3 deles tiveram essa prática como justificativa, onde adolescentes, se sentindo rejeitados e humilhados, planejaram vingança a quem de alguma forma os feriram.

E quanto às séries e games considerados violentos, dá para afirmar com toda certeza que não são influenciadores para essas práticas ou que os são? Evidentemente que não. Coincidência ou não, um dos jogos considerados mais violentos comercializados no Brasil, o Grand Theft Auto ou, simplesmente, GTA, teve seu primeiro lançamento em 3-D no ano 2001, um ano antes da série de ataques em escolas, tendo iniciado em 2002, quando um jovem matou a tiros duas colegas da escola Sigma, no bairro de Jaguaribe, em Salvador.

Outro motivo ensejador, é a depressão entre jovens e adolescentes, faixa etária responsável pelo maior número desses ataques. Em um estudo realizado com 600 mil pessoas, conduzido pela Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, foi apontado que nos últimos cinco anos, a incidência de quadro depressivo entre homens e mulheres de 12 a 25 anos teve um salto de quase 40%. Em que pese tratar de estudo entre americanos, é evidente que podemos imaginar números bem parecidos no Brasil. Como se sabe, o quadro depressivo leva pessoas a cometerem atos impensáveis.

Um fator que tem causado grande preocupação em relação ao tema, é a religião  praticada entre os criminosos. Não é novidade para ninguém que o fanatismo a determinadas religiões tem levado pessoas a praticarem atos terroristas em diversos lugares do mundo. Não seria exagero ligar esses atos a ataques praticados dentro de escolas, já que o alvo desses criminosos, geralmente, é onde concentra o maior número de pessoas.

Existe, ainda, um outro fator que, absolutamente, por si só, não serve, jamais, como motivo para justificar as barbáries: os doentes mentais. Em que pese não ser entendedor da psiquiatria, percebe-se que há casos de ataques a grupos de pessoas tendo como fator principal  a doença psíquica. 

Mesmo não tratando de ataque em escola, quem não se lembra do caso de um adolescente de 13 anos, em São Paulo que, em 2013, matou 4 pessoas da família e cometeu suicídio logo em seguida? Segundo um psiquiatra forense que avaliou o caso na época, “ele tinha uma doença psíquica que o levou a cometer os crimes”.

Outro caso recente que chocou o mundo, ocorreu na cidade de Janaúba, em Minas Gerais, em 2017, quando um homem de 50 anos teria ateado fogo em uma creche matando 9 pessoas e a si mesmo. Parentes do assassino disseram à polícia que, desde 2014, ele já apresentava “sinais de loucura”.

O ódio e a vingança também são motivos claros que levam pessoas a praticarem esses tipos de crime. Contudo, neste caso, a coragem de praticar as ações delitivas geralmente estão ligadas a outros fatores, como no ocorrido em João Pessoa-PB, em 2012. Na época, dois adolescentes feriram 3 pessoas com tiros dentro de uma escola. O alvo deles era um outro adolescente de 15 anos e, de acordo com a polícia, o motivo do crime teria sido ciúme. Testemunhas disseram que o atirador tinha discutido com a namorada e o motivo seria a amizade dela com o rapaz.

O caso mais parecido com o de Suzano, sem sombra de dúvidas, ocorreu em Realengo, bairro situado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em 2011. O assassino, que  suicidou logo após o ataque, matou a tiros 12 adolescentes com idade entre 12 e 14 anos dentro de um colégio. Sem muita certeza do que levou o homem a cometer o crime, o pouco que se sabe é que o autor havia deixado uma carta na qual informava ser portador do vírus HIV, o que levou pessoas a cogitarem ter sido o crime praticado por mero egoísmo em ver alunos da ex-escola saudáveis.

O fato é que, em todos os ataques analisados, em que pese terem sido praticados por motivos diversos, é possível analisar que houve certas práticas em comum. Uma delas, é a ocorrência de todos eles terem sido planejados. Alguns, inclusive, há mais de um ano antes do crime. 

Outra ação parecida entre os praticantes, foi o fato de quase todos terem comunicado o que pretendiam fazer a outras pessoas, que, talvez por não acreditarem nos agressores, não levaram os casos às autoridades competentes. 

Além disso, com exceção do ataque em Janaúba, ocasionado por ateamento de fogo, todos os outros foram praticados com armas de fogo.

São dados simples, porém, muito úteis no estudo de casos para que se evite o cometimento de novos crimes parecidos.

A situação de todos terem sido previamente planejados, por exemplo, mostra que, de certa forma, alguns deles poderiam ter sido evitados. Quanto mais pelo fato dos criminosos haverem comunicado suas intenções a outras pessoas.

Dizer que há um culpado, a não ser quem efetivamente praticou o crime, é um risco. Porém, há de se analisar que adultos ligados a essas pessoas, colegas e, no caso de estudantes, seus professores, precisam atentar-se a vestígios de que algo incomum está por acontecer para que denunciem.

O uso de armas nesses ataques, também é algo que deve levantar discussão a respeito da facilitação de obtenção do armamento. Aqui, não afirma-se que deva ser combatido, mas, apenas, que deva ser discutido o tema. Armas por si só não matam ninguém, contudo, assim como a “Deep Web”, não são consideradas como motivo para essas práticas, mas sim com meio de ocorrerem. A tipicidade das ações com o uso delas, deve, sim, fomentar debates.

O que se pode concluir é que estamos diante de um problema novo que precisa, urgentemente, ser estudado. É preciso haver segurança por parte dos pais em enviar seus filhos às escolas a ponto de não terem dúvidas que irão recebê-los de volta com vida e segurança.

Criar políticas públicas com intuito de combater essas práticas a partir de casos isolados, sem que haja estudo prévio a respeito dos outros que já ocorreram, pode ser que piore o problema. Como foi analisado, os motivos que ensejaram esses crimes partiram dos mais diversos. Tentar controlar apenas um deles, seria voltar toda atenção a um único fato ensejador, enquanto sabe-se existir vários outros que ficariam de lado.

Além disso, não podemos remediar um motivo apenas pensando que os outros não são tão influenciadores. Se os outros motivos não estudados representam ainda que uma parcela mínima da culpa desses ataques, isso quer dizer que são influenciadores e pode ser que levem a novos crimes como estes. Sendo assim, todos devem ser estudados, tratados e combatidos.

Fechar a mente para os motivos e meios utilizados nesses ataques, simplesmente por acreditar que, em nosso caso, não faríamos o mesmo, também não parece uma atitude inteligente. Enquanto isso, neste exato momento, pode ser que haja pessoas tramando um ataque em uma escola qualquer.

A verdade é que sabe-se bem pouco a respeito. Um ótimo ponto para iniciar os estudos, seria admitir que, em qualquer caso, não existe um único fator que leva à prática dessas barbaridades, mas um conjunto deles, somados aos meios de serem praticadas.

Texto escrito não por um sociólogo, psicólogo ou psiquiatra, mas por um advogado crítico e pensador. 

 

Por: Wagner Frutuoso. Especialista em Processo Penal e advogado criminalista

Foto: UOL notícias