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Quais as consequências em entregar a direção de veículo para pessoa não habilitada?

Que o Brasil é sobrecarregado de leis, isso nós já sabemos. Várias consideradas úteis, outras, nem tanto. Assim como objeto de outro artigo que escrevemos, praticamos crimes sem ao menos saber que são considerados como tal. Talvez, por falta de informação ou, ainda, por parecer algo tão inofensivo que recusamos acreditar que exista pena para essas ações.

Quem nunca? Posso quase garantir que quem tenha filhos entre 12 e 18 anos, naqueles momentos de passeio na zona rural, onde quase não existe fiscalização de trânsito, já entregou a direção do veículo ao menor, cheio de orgulho, com intuito de prestar os primeiros ensinamentos de direção.

O marido que sai da festa embriagado, para não cometer crime de embriaguez ao volante, por várias vezes acaba entregando a direção do veículo à esposa que não tem habilitação (e vice-versa), mesmo sendo espetacular na direção.

E quanto aos finais de semana, em que a pessoa habilitada, com intuito de ensinar a outra sem habilitação dirigir veículo, afasta-se do centro da cidade e coloca-se como instrutor de trânsito, oferecendo todo ensinamento, com a pura inocência de estar prestando um auxílio a quem quer que seja?

Pois bem, estamos diante de três hipóteses que poderiam ser consideradas como crime, previsto no artigo 310 do Código de Trânsito Brasileiro, consoante ao ato de:

Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança.

A pena para quem comete este crime é de detenção de 6 meses a um ano, ou multa.

Aqui, fala-se em punir quem permite, confia ou entrega a direção a essas pessoas, e não quem a recebe. A justificativa Estatal para punição dessa prática é justamente uma melhoria na política criminal, evitando condutas consideradas perigosas nas ruas e rodovias, de forma a prevenir acidentes que causem danos concretos, melhorando a vida coletiva no trânsito.

Mas, será que em todo caso em que se permite, confia ou entregua a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou como direito de dirigir suspenso, configuraria crime? Trataremos dessa primeira parte do artigo 310, descartada a possiblidade daqueles que aceitam a direção estando sem condições de dirigir, seja em razão da saúde, ou pelo estado de embriaguez, que seria tema de outro texto.

Se você ficou curioso para conferir o artigo de lei citado, certamente se deparou com o artigo anterior a este, o 309, que também considera crime a conduta de “dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”.

Isso quer dizer que, quando se entrega direção de veículo a pessoa não habilitada, tanto quem entrega, quanto quem aceita a direção do veículo pode ser que pratique crime, sendo que, quem aceita a direção, se menor de 18 anos e maior de 12, cometeria o ato infracional consoante o mesmo artigo de lei.

Em que pese os dois estarem envolvidos na mesma ação, um responderia pelo crime previsto no artigo 309 (receber a direção), e o outro pelo que consta no artigo 310  (entregar a direção), ambos do Código de Trânsito Brasileiro. Trata-se de uma exceção para o que chamamos no Direito Penal de “Teoria Monista”, que pune autor e partícipe pela mesma prática delitiva, com as mesmas consequências, na medida da sua culpabilidade.

Note que cuidamos de tratar que “pode ser” que essas pessoas pratiquem crimes de trânsito, vejamos o motivo.

Isso pois, a não ser nos casos do condutor que esteja sob efeito de álcool ou que, em razão do estado de saúde, física ou mental, não esteja em condições de dirigir com segurança (parte final do artigo 310), nos outros casos (primeira parte do artigo 310), entendemos não bastar o simples fato de entregar a direção do veículo a essas pessoas para que seja considerado crime.

A primeira parte do artigo 310 trata, tão somente, de permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, conforme já vimos.

Contudo, o final do artigo 309 muda todo o contexto. Atentamos ao fato de que, em relação a quem aceita a direção, para que a pessoa não habilitada ou com o direito de dirigir cassado pratique crime, é necessário que gere efetivo perigo de dano (volte à leitura do artigo 309). Meio confuso, não? Mas o que isso quer dizer?

Ora, assim como já tratamos, as duas pessoas (quem entrega e quem recebe a direção do veículo) praticam crimes diferentes, com penas diferentes. Contudo, a quem recebe a direção do veículo, o próprio artigo cuidou em punir somente nos casos em que essa pessoa gere perigo concreto de dano.

Seria o caso dessa pessoa não habilitada ou com a habilitação cassada estar dirigindo veículo em plena Avenida Paulista, em São Paulo, durante o horário de maior movimento do dia, por exemplo.

Assim sendo, se ao que recebe a direção do veículo só é possível ser punido desde que gere perigo efetivo de dano, não é razoável punir quem entrega a direção a essas pessoas e exigir algo diverso.

Em outros dizeres, não basta o simples fato de entregar a direção a pessoa não habilitada ou com habilitação cassada para que seja considerado crime. É necessário que o perigo de causar dano seja real, concreto, não simplesmente presumido.

Voltando aos exemplos dados no início, uma pessoa não habilitada, dirigindo na zona rural em uma estrada de pouquíssimo movimento a 40 km/h, certamente não estaria provocando nenhum perigo concreto de dano.

Sendo assim, quem entrega a direção a esta pessoa, mesmo estando praticando exatamente a ação prevista no artigo 310 do CTB, também não poderia responder por crime de trânsito, por tratar-se de situação atípica, ou seja, não necessariamente proibida por lei.

Mesmo assim, quem pratica qualquer ação neste sentido, pode ser que ainda seja denunciado pela prática delitiva conforme o artigo 310 do CTB, por haver divergências quanto ao entendimento que aqui trouxemos. Contudo, é possível a aplicação do que chamamos  de “Suspensão Condicional do Processo”, aplicada aos crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano. 

Trata-se de uma medida despenalizadora que, se cumpridas as exigências, exclui a punibilidade da conduta e se presta a impedir que infrações consideradas menos importantes do ponto de vista do Direito Criminal, movam a máquina pública, deixando de causar prejuízos ao erário.

Tal benefício, entretanto, é vinculado a certos requisitos previstos em lei e, se aplicado, conforme o próprio nome diz, suspende o processo por um período de prova de 2 a 4 anos. Ao final do período estipulado, se a suspensão não tiver sido por qualquer motivo revogada, o juiz declara extinta a punibilidade, deixando de aplicar a pena.

Por derradeiro, cumpre ressaltar que, tanto nos casos em que se deseja ensinar alguém não habilitado a dirigir veículo, quanto nos casos em que se mostra necessário entregar a direção a pessoa não habilitada, existem formas alternativas para que isso ocorra, evitando maiores problemas com a justiça.

Por: Wagner Frutuoso. Especialista em Processo Penal e advogado criminalista.